Ana Beatriz Zogaib
ESPECIAL PARA AGÊNCIA ANHANGÜERA
ana.zogaib@rac.com.brFelicidade e euforia. Por outro lado, ansiedade e insegurança. A chegada de futuras mamães à reunião do Grupo de Parto Alternativo, em Campinas, é marcada por uma mistura de sentimentos que retrata o orgulho pelo que elas carregam no ventre e a preocupação com os cuidados que devem tomar pelos próximos meses. O tempo mostra, pouco a pouco, mudanças no corpo que tornam evidentes a mudança de vida que está por vir e as gestantes, cientes disso, buscam uma gravidez tranqüila e dar à luz da forma mais natural possível. Elas têm o apoio das doulas, voluntárias que as apóiam durante a gestação, o parto e o pós-parto, doando suporte físico, emocional e psicológico.
Marcela afirma que deseja ter esclarecimento para que possa ter uma postura ativa no nascimento do filho. “A gente fica grávida e passa um monte de coisa na cabeça, mas se você tem conhecimento, pode ter poder de decisão”, diz. Ela é apoiada pelo marido, o engenheiro Irineu Gandara, que também diz precisar de orientação para cumprir o papel de pai. “Somos marinheiros de primeira viagem e eu quero participar de tudo”, conta.
A socióloga Mariana Delgado Rezzaghi foi recebida pelo grupo na reta final da gravidez, com 34 semanas. Ela afirma que o médico que a acompanhava pelo plano de saúde já estava propondo a cesárea, mas que sua preferência pelo parto normal falou mais alto. “Vim com medo de cair numa cirurgia desnecessária”, diz. A administradora Mara Federici se antecipou e procurou o projeto alternativo na décima oitava semana de gestação. “Quero poder ter escolha e a primeira é o parto natural”, enfatiza.
O trabalho com as gestantes é realizado por quatro voluntários dispostos a mostrar que a mãe natureza sabe o que faz: o obstetra Hugo Sabatino, o anestesista Franklin Braga, a psicóloga Silvia Nogueira Cordeiro e a doula Lucia Caldeyro, além de profissionais da área de saúde que desejam realizar estágio no grupo e que são recebidos e acompanhados pela equipe por um ano. Atualmente, são seis estagiárias. O objetivo é ajudar as mulheres a conseguir ter um parto natural sem que precise de anestesia ou de outras intervenções quando essas não são necessárias. “Temos que ensinar a mulher a enfrentar a dor e sair favorecida”, explica Sabatino, médico obstetra coordenador do grupo. Para alcançar a meta, os profissionais se reúnem com as participantes duas vezes por semana e alternam o trabalho de conscientização pela informação com a prática de exercícios específicos que ajudam a prepará-las para o dia tão esperado.
Grupo já realizou 2 mil nascimentos de cócoras
O Grupo de Parto Alternativo surgiu em 1980 a partir de um projeto de pesquisa desenvolvido pelo obstetra Hugo Sabatino, que percebeu reivindicações de pacientes do Caism em relação ao atendimento do parto normal. O médico explica que a ação visa à humanização do parto, ou seja, respeitar a natureza e não causar uma violência desnecessária à mulher, no caso, uma cesárea sem justificativas médicas. Segundo ele, a cirurgia aumenta em sete vezes o risco de morte da paciente.
O parto de cócoras (posição em que a gestante fica agachada em posição vertical) é o principal meio apontado para alcançar tal objetivo. Uma cadeira que facilita o procedimento foi adquirida pelo Caism e os médicos que atendem no local estão instruídos a atender parturientes que queiram ter o bebê dessa forma. Em 28 anos de existência, a iniciativa conseguiu que fossem realizados mais de 2 mil partos de cócoras.
Mas, para Sabatino, é preciso acatar a opção de cada mulher. O obstetra explica que o grupo estimula três pilares, um deles, o respeito aos costumes regionais e individuais do casal. O respeito aos processos fisiológicos da mulher também é levado em consideração, o que, segundo ele, pode ser exemplificado pela opção de deixar a parturiente em posição vertical, comprovadamente a melhor para o parto normal. Outro aspecto considerado importante é o trabalho multidisciplinar com a participação de diferentes profissionais, como obstetra, anestesista, enfermeira e doula, na sala de parto.
País faz 15% mais cesáreas que o recomendado pela OMS
A cesariana representa 43% dos partos realizados no Brasil no setor público e no privado, número bem acima dos 15% recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS). No Sistema Único de Saúde (SUS), as cesáreas somam 26% do total de nascimentos e nos planos de saúde, o percentual é maior, cerca de 80%. Os números são de 2006 e foram revelados em pesquisa encomendada pelo Ministério da Saúde. O ministério lançou em maio deste ano a Campanha Incentivo ao Parto Normal, que será veiculada até dezembro. A iniciativa tem o intuito de diminuir a incidência das cirurgias, sensibilizando gestantes e também profissionais de saúde, já que um dos aspectos identificados pelo governo para o aumento das cesáreas é a preferência médica devido ao menor tempo de assistência necessária. O Ministério ressalta que no parto cirúrgico há uma separação abrupta e precoce entre mãe e filho, num momento primordial para o estabelecimento de vínculo, além de destacar que o parto normal é o mais seguro para a parturiente e o bebê. De acordo o governo, é comprovado que fetos nascidos entre 36 e 38 semanas, antes do período normal de gestação (de 40 semanas), têm 120 vezes mais chances de desenvolver problemas respiratórios agudos e, muitas vezes, precisam de internação em unidades de cuidados intermediários intensivos. Para as mães, o parto cirúrgico significa mais chances de hemorragia, infecção no pós-parto e recuperação difícil.
SAIBA MAIS
Doula, a amiga sempre presente da boa hora
Costume de antigamente é reinventado para resgatar o lado humano de dar à luz
Doula, em grego, significa “mulher que serve”. Atualmente, a palavra é utilizada para se referir a mulheres especializadas no acompanhamento da gestante, antes, durante e depois do parto. Elas ajudam a futura mamãe a se preparar física e psicologicamente para dar à luz, colaboram para o conforto físico durante o nascimento, além de incentivar a participação do pai do bebê durante todo o processo.
A idéia é que, se antigamente, com o parto realizado pela parteira em casa, a gestante era acompanhada por mulheres mais experientes, como a própria mãe, irmãs ou vizinhas, hoje, com o procedimento nos hospitais, o acompanhamento pode ser feito pelas doulas. Na sala de cirurgia, elas não executam nenhum procedimento médico e, sim, ajudam a parturiente a encontrar a melhor posição para o trabalho de parto, mostram formas de respiração e sugerem medidas naturais que atenuem a dor das contrações e diminuam a ansiedade, como banhos e massagens.
Na opinião do médico Hugo Sabatino, a atuação das doulas é fundamental. “Elas se ocupam das partes física e psicológica da parturiente, compreendem e acompanham a mesma”, afirma. No entanto, o médico não esconde que ainda há pouco espaço para as profissionais. “Apesar de existirem evidências científicas de que elas diminuem a complexidade do parto, há lugares que não aceitam sua presença”, conta.
Segundo Lucia Caldeyro, doula há 25 anos e coordenadora do trabalho das estagiárias no Grupo de Parto Alternativo, o segredo do parto é a gestante se sentir confiante e tranqüila. “A mulher não precisaria de preparo para dar à luz, pois é algo natural, mas, se ela está estressada, tensa e insegura, o corpo não se abre”, explica. Para ela, é importante fortalecer a responsabilidade da mulher e do marido durante o nascimento, estimular uma postura ativa de ambos desde a gravidez.
Lucia conta que o interesse pelo parto teve influência familiar. “Começou com meu pai, médico que pesquisava o assunto”, conta a filha de Roberto Caldeyro Barcia, médico uruguaio que desenvolveu métodos de registro das contrações do útero na gestação e da freqüência cardíaca fetal. A profissional diz que o parto normal e sem dor do filho caçula foi mais um incentivo para se tornar doula, o que aconteceu nos anos 80, quando o termo ainda não era utilizado e não existiam cursos de especialização. “Decidi ajudar outras mulheres e fui buscando recursos, fiz curso de massagem e psicodrama”, diz ela, que é formada em pedagogia e hoje é vice-presidente da Associação Nacional de Doulas (Ando), entidade que ajudou a fundar no ano de 2003.
A bióloga e professora Flávia Fuchs de Jesus teve a primeira filha, Ariela, há cinco meses, com o acompanhamento de Lucia. A bióloga procurou o grupo de Parto Alternativo aos quatro meses de gestação porque queria um parto de cócoras. Mesmo tendo que realizar a cesárea, ela afirma que a contribuição da doula foi importante. “O preparo para aprender a relaxar na dor foi essencial. Antes de fazer cesárea, tive dilatação total sem anestesia graças a essa conscientização, lembrava de usar o que aprendi”, afirma. Flávia conta que permaneceu em casa durante boa parte do trabalho de parto, junto à profissional, que a ajudou a manter a calma e orientou o marido sobre como colaborar. Segundo a bióloga, outro benefício da parceria foi o entendimento sobre o recém-nascido e a importância da amamentação na primeira hora. “Passei a valorizar o contato imediato com o neném mais do que o próprio parto”, explica.
Para a psicóloga Lara Heller Gordon, que há um ano faz estágio como doula, uma das missões de seu trabalho é proporcionar o “empodeiramento” da parturiente, mostrar que ela pode e deve controlar a situação. Segundo Lara, é possível perceber que o principal medo das gestantes é em relação à dor, que pode ser superada com a ajuda das doulas. “Quando tem uma pessoa que está acompanhando a mulher e vendo suas necessidades, ela pode até sentir dor, mas nem pensa em anestesia”, exemplifica.
Equipe formada por médico, anestesista, psicóloga e doula orienta gestantes e pais em todas as etapas do nascimento
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