Hoje trago esse texto publicado hoje cedo no Jornal Folha de S. Paulo. Foi escrito pela Mariana de Mesquita, uma doula que luta e chora pelas milhares de mulheres que são diariamente violentadas dentro dos hospitais brasileiros...
O perigo oferecido pela doula é que ela presencia a violência covarde
contra mãe e bebê. Pais bem informados dão trabalho ao hospital
Nos últimos dias, uma rede de maternidades de São Paulo proibiu a
entrada de doulas, profissionais que prestam suporte emocional e físico à
mulher antes, durante e depois do parto. Diante da repercussão negativa
na imprensa e nas redes sociais, mudaram de estratégia: a gestante
teria direito a um único acompanhante no parto, devendo escolher entre a
doula e o marido. A justificativa era reduzir os índices de infecção
hospitalar.
Se a preocupação é essa, por que não limitam também o acesso das equipes
de fotografia e filmagem? Por que não se esforçam para reduzir os altos
índices de cesariana, em torno de 90%? A verdade é que o trabalho das
doulas, embora respaldado pela Organização Mundial da Saúde, não se
encaixa em nosso modelo de assistência obstétrica, arbitrário e centrado
na figura do médico.
Nos países desenvolvidos, com as menores taxas de mortalidade materna e
fetal, o pré-natal, o parto e o pós-parto são acompanhados por
obstetrizes e enfermeiras obstetras (parteiras). O médico só é chamado
em casos considerados de risco.
Por aqui, o incômodo causado pela presença das doulas está ligado ao
poder que elas ajudam a mulher a conquistar, o de serem donas de seus
próprios partos. Mulheres que tiveram o acompanhamento de uma doula na
gravidez são questionadoras, pois sabem do seu direito de decidir sobre o
parto. Um perfil bem diferente do desejado por hospitais, onde a boa
paciente é aquela que se recolhe à posição de coadjuvante.
A mulher informada, ao contrário, tem nome próprio: não aceita ser
infantilizada, ser chamada de "mãezinha". Não aceita soro de rotina,
corte desnecessário na vagina, ser separada do seu filho sem real
motivo. A mulher informada sabe que pode escolher em que posição, como,
onde e com quem prefere dar à luz. Não está acima nem abaixo da
autoridade médica ou do protocolo hospitalar, pois não estabelece com
eles uma relação de poder. Exige apenas que tudo esteja a favor desse
importante trabalho, que somente ela pode e deve executar: trazer seu
filho ao mundo.
O casal bem informado "dá trabalho" ao hospital, pois tem consciência da
violência muitas vezes imposta pelos procedimentos de rotina ao corpo e
à personalidade frágeis do seu bebê. Eles pesquisaram, leram artigos
científicos, conhecem as leis e sentem alívio por saber que o bebê não
precisa passar por procedimentos dolorosos e solitários em seus
primeiros momentos de vida, apenas porque fazem parte da rotina do
hospital.
Qual é mesmo o perigo oferecido pela doula? É que a doula é testemunha!
Ela presencia e identifica a violência silenciosa e covarde contra dois
seres (mãe e bebê), que, por conta da fragilidade do momento, não estão
em condições de questionar.
Mulheres acompanhadas por doulas não se deixam convencer de que o choro
desesperado do recém-nascido seja bom de ouvir, sinal de saúde! De que a
clássica cena da mãe presa à cama, dopada e incapacitada, faça parte do
processo de ter um filho. De que o pai ver seu filho através do vidro
seja normal.
O recuo estratégico dos hospitais quanto à restrição às doulas mostra a
força da voz da sociedade. Estejamos atentos às entrelinhas: agora, a
doula pode entrar, desde que seja fisioterapeuta, psicóloga, enfermeira
ou terapeuta. A direção clínica sabe quem é e quais são as atribuições
da doula ou essa exigência é uma demostração clara da postura
intransigente?
Mas o recuo estratégico não impediu a manifestação, no domingo passado,
na avenida Paulista. A marcha foi uma demonstração de que a sociedade
não tolera mais esse abuso.
Comentários